A cultura deve estar à mesa com a Saúde
Numa consulta, estando apenas a nutricionista e o/a paciente, cabem muitas mais pessoas! A pessoa dá a conhecer o seu histórico de saúde e de peso, a sua relação com a alimentação e o motivo que a leva lá. Pergunta-se pelo ambiente em que faz as refeições: se sozinha ou acompanhada, se com a televisão ligada ou o telemóvel ao lado. O cônjuge é “trazido“ para a consulta porque tem aquele hábito alimentar adquirido enquanto casal ou adotado por ser hábito do outro. Já não se come sopa porque o outro não gosta ou passou a comer sopa porque o outro tem esse hábito. Os filhos também se “sentam“ na consulta. Conheço os seus nomes, sei que não gostam de peixe, por isso, só se come carne ou douradinhos lá em casa. Depois, vêm os colegas de trabalho: aquele que é “saudável“ e que causa sensação de culpa quando uma pessoa não tem igual compromisso; e aquele que não tem qualquer cuidado e é super magro! Ao fim-de-semana, janta-se na casa dos pais e tem que se comer até deixar de se ouvir a insistência de “tira mais um pouco“. “Estou“, naquele momento da consulta, com toda a família da pessoa. Gosto de os “conhecer“ para conhecer verdadeiramente o/a paciente que precisa de um plano alimentar que consiga conciliar tudo. A escuta ativa e a empatia criada são essenciais.
No entanto, tanto “recebo“ esta multidão na minha consulta pela descrição da pessoa como os “expulso“ para a pessoa se centrar nas medidas alimentares que vão de encontro à avaliação e ao objetivo. Pergunto se costuma descansar a mente com caminhadas e idas a algum jardim. E “puxo“ pelos momentos de contacto com a natureza, o património e a cultura porque ajudam a enriquecer a sensação de paz (a par dos conhecimentos) e a promover a autosatisfação.
A sociedade responde à história; é esta que altera os comportamentos (inclusive alimentares), face a determinações políticas, económicas e ideológicas. A Cultura deve ser mais um agente a ser devolvido às nossas rotinas. As empresas já estão a ser chamadas à vida, à saúde e ao bem-estar dos seus colaboradores mas a Cultura é ainda “encostada“ a meios restritos. A sua relação com a saúde é ainda pouco refletida. Chame-se agora a Cultura a ter um papel ativo na saúde da comunidade. E da relação nutricionista-paciente e da relação nutricionista-paciente-empresa, acrescente-se a relação nutricionista-paciente-empresa-Cultura. Não me despeço sem dizer antes que a Cultura não pode ser resumida a “comes e bebes“, sobretudo em quantidade, com alimentos menos saudáveis e com bebidas alcoólicas, na procura de um ambiente harmonioso, bem sucedido e hospitaleiro. A Cultura é, sobretudo, o ato de cultivar na pessoa a vontade de conhecer o seu interior, estando mais em contacto consigo, em solitude, com a natureza, com o património do lugar onde vive e visita e, com o mundo da leitura e das artes. Quantas vezes numa consulta aconselho um livro, um espetáculo, um jardim. Sai da consulta com mais do que um Plano alimentar prescrito mas sei que vai ajudar a concretizá-lo melhor e com melhor regulação nas suas diferentes dimensões. Numa consulta de nutrição fala-se para além das calorias®.
Teresa Campos, Nutricionista e Diretora da Nutrémia, Clínica de Nutrição e do Comportamento