Parece que se tem sono para falar do sono
A psicologia pode e deve dar resposta ao motivo para consulta de educação e reeducação nas rotinas do sono. Trata-se de uma preocupação mais vezes manifestada pelos pais quando procuram conhecimentos e estratégias para melhorar a qualidade de sono dos seus filhos e, por isso, é que se trata de uma consulta orientada para a parentalidade e relacionada com a saúde na infância e na adolescência. Um sono insuficiente e de baixa qualidade nas crianças tem vindo, mesmo, a constituir um problema de saúde pública, sendo que um total de 25 a 50% das crianças portuguesas até aos cinco anos de idade apresentam dificuldades relacionadas com o sono. O número de horas de sono diárias identificadas nas crianças portuguesas, é inferior ao número de horas recomendadas que devem ser dormidas, refletindo-se, depois, nos comportamentos da criança. Verificam-se comportamentos de maior choro, irritabilidade e agitação e, maior dependência nos pais no momento de adormecer e durante a noite, com despertares frequentes. Outros fatores estão, também, incluídos neste estudo como o impacto no ambiente familiar e com questões da parentalidade, que têm vindo a recolher melhor atenção e interesse na família. Por exemplo, dificuldades de sono na criança afetam também o próprio descanso e a intimidade dos pais e, muitas vezes a hora de dormir passa a ser motivo de conflito com disfunção no casal a nível emocional. Convém referir que esta educação para melhorar a qualidade de sono está, ainda, relacionada com as competências da criança, ao longo do seu crescimento, ao nível da aprendizagem, com interferência no seu rendimento escolar, e também no seu processo de sociabilização e, com as suas rotinas de sono futuro, depois enquanto adulto. Torna-se prioritário conhecer melhor os hábitos de sono desde cedo e promover uma relação positiva com o sono, não só para a criança, mas também para os pais, de forma a que estes possam enfrentar, com mais tranquilidade, os desafios que o sono das crianças, acarretam para toda a família.
No entanto, a qualidade de sono não é só motivo para consulta nestas idades e, de qualquer forma, as crianças de hoje serão os adultos de amanhã. O sono continua a ser subestimado, mesmo em idade adulta, na sua importância para a saúde física e mental e para o bem-estar. Num mundo com cada vez mais e diferentes exigências, que ocupam muito do nosso tempo, parece que a solução passa por sacrificar horas de sono, tornando-se uma prática comum. Convém informar que o sono é um processo biológico que permite ao corpo e ao cérebro o merecido descanso e a essencial recuperação. Durante o sono, o cérebro processa informações, consolida memórias e aprendizagens realizadas em vigília, regeneram-se tecidos, regulam-se diferentes sistemas do organismo e, até tem relação com o nosso apetite. Estes processos são essenciais para a própria manutenção da função cognitiva. Muitos estudos demonstram consistentemente que a falta de sono adequado está associada a uma série de problemas que vão muito além do cansaço e da irritabilidade. A insónia, por exemplo, não é apenas um sintoma comum em perturbações mentais como a depressão e a ansiedade, mas também pode ser um fator desencadeante. Isto é, os problemas do sono podem agravar os problemas de saúde mental, e problemas de saúde mental podem causar perturbações do sono. As pessoas com privação de sono são, desde logo, mais suscetíveis a emoções negativas e menos capazes de lidar com o stress, bem como, afeta o desempenho no trabalho e nos estudos, reduz a capacidade de tomar decisões e aumenta o risco de acidentes.
Dormir a quantidade certa de horas por noite é essencial, mas a sua duração varia consoante a idade, havendo um intervalo recomendado para cada faixa etária. Seja criança, jovem, adulto ou idoso, conhecer as necessidades de sono é fundamental para nos mantermos saudáveis.
São recomendadas as seguintes estratégias: ter uma rotina consistente, deitar e acordar no mesmo horário todos os dias para ajudar a regular o ciclo sono-vigília; ter um ambiente propício, com um quarto escuro, silencioso e uma temperatura adequada e, uma exposição limitada a ecrãs que emitem luz azul, pois esta pode interferir na produção de melatonina, a hormona indutora do sono; praticar atividades relaxantes antes de dormir, como a leitura, meditação ou um banho quente; e, trazendo para aqui a relação com o comportamento alimentar, evitar bebidas com cafeína, álcool e refeições pesadas antes de dormir. Experimentando estas recomendações consegue-se compreender que a qualidade do sono e a saúde mental estão intrinsecamente ligados. Desvalorizar o sono é ignorar um dos pilares do bem-estar psicológico. Reforço, então, que o sono deve ser uma prioridade para todos nós e que, só assim, poderemos garantir um futuro onde a saúde mental seja devidamente preservada e promovida.
À semelhança de outras consultas , grandes resultados surgem de pequenas transformações e que para se ser feliz, é também preciso ser saudável.
Andreia Barbosa, Psicóloga e Coordenadora da Valência de Psicologia da Nutrémia, Clínica de Nutrição e do Comportamento